Numa cidade agreste, onde a sua vida poderia ser mais "bem" dita pelos outros do que por você viviam pai, mãe e filha.
Família.
A menina: filha única ... negra ... ébano ... reencarnação de orixá ... Deusa!
Viviam de modo plural.
"S" próprio e só compreendido entre a massa.
Uma dádiva o "S".
"S" de todas as palavras plurais e plurianuais, quiçá pluridiárias: "S" de palavra:
Pobre"s"!
Esperançoso"s"?
Havia na casa uma singularidade: a aceitação. Sina agreste de quem vive com a certeza da falta.
Pai e mãe plurais na vida de Clarinha.
?
_Sim!
Clarinha. Menina anjo, virtude palpável de inocência e claridade. Crescia e conhecia o mundo ... a diferença ... O anjo negro reluzia diante de todos, altiva.
O brilho sempre desperta inveja.
Na rua as outras meninas ... todas ... eram alvas, claras e pálidas. Houvesse o sol que fosse, agreste qual fosse, rachando a pele de calor: não se coloriam.
Alvas eram de coração!
Clarinha não ... era cor multifacetada. Escarlate-verde-louro! E brincava com a barra da saia rodada. Caleidoscópio a girar. Divindade em procissão.
"_Negrinha!!!".
A intenção invertida da palavra lhe doía os ouvidos e não entendia por que ...
Dor ...
De como quem xinga, mas sabe que é tão igual ao insulto. A gente tem medo do que identifica nos outros.
A minoria será sempre singular e própria lhe é o direito da "ignorância".Da inocência.
Tempo passa ...
Na tina, água de alvejar.
A Deusa de Ébano sentiu escorrer pelos dedos a perda da inocente divindade. Brincavam as alvejadas na rua e Clarinha percebeu-se em diferença. No quintal o cheiro do cloro embebia, entorpecia...Chamava...
A barra da saia rodada mostrava manchas... argila ... negrejada.
Clarinha? Envolta em um negrume, de diferença.
Não pensou!
Entorpecida, abandonou-se na tina e brigava com as camisas alvas do pai.
Esfregava-se.
Oras o cloro escorria e era como quem batizava: o corpo.
O odor lhe corroeu ... entranhas... pouco a pouco a escarlate-verde-louro tornou-se somente negra. Na tina: sangue e lágrimas.
Anoiteceu em pleno dia. Eclipse em mim.
Grito silencioso da mãe ecoou: uma dor de quem sabe a brutalidade de se viver.
De repente, tudo que era alvo, tudo o que era dia, tornou-se negro.
Era a ira da Deusa que mergulhava tudo em suas lágrimas.
Essas lágrimas ainda banham todo o pensamento agreste de diferença.
Ela zela por nós!
Amém!
Oiá de mim!
Salve!
Um dia me chamaram de Deusa de Ébano ... e eu achava bonito. Hoje entendo. E ainda acho.
Por vezes trago lágrimas negras nos olhos.
Me abençôo.
terça-feira, 12 de agosto de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Este texto é infinitamente lindo;
É Deus em você.
O que te deu nesse dia?
Postar um comentário